sábado, 11 de setembro de 2021

Não há tudo sem nada





Não há gosto em comidas não saborosas.

Não há frio em mãos calorosas.

Não há beijo sem saliva

Não há muros sem divisas. 


Não há abraço sem toque.

Não hão ódio sem rebote.

Não há amor sem dor.

Não há paixão sem tremor.


Não há vida sem morte.

Não há dor que não se suporte.

Não há feiúra na graça.

Não há sentimento que não se desfaça. 


Não há prostituta sem clientes. 

Não há prazer que se aguente.

Não há moralidade na noite.

Não há solidão que não se açore.


Não há fome que se esconde.

Não há vulgaridade nos montes. 

Não há gato que não pule a cerca.

Não há traição que não transpareça. 


Não há trauma que não se acorrente.

Não há dor que não se arrepende.

Não há fim que não tenha um começo.

Não há sono sem pesadelo.


Não há vida sem sangramento.

Não há solidão sem momentos. 

Não há amizade sem falsidade. 

Não há paz na cidade. 


Não há guerreiro sem guerra. 

Não há perfeição que não erra.

Não há ódio sem amor. 

Não há frio sem calor. 


Não há desejo sem ter o que se invejar. 

Não há fundo para quem não tem mar.

Não há insatisfação sem um espelho frontal. 

Não há melhoras sem antes passar mal. 


Não há eternidades em acordos.

Não há mentiras em rumores.

Não há conforto em cama alheia. 

Não há doce na mordida duma abelha.


Não há caminhos em almas perdidas.

Não há caminhos em ilhas. 

Não há pensamento sem desejo prévio.

Não há improdutividade no tédio. 


Não há descanso na caminhada.

Não há alegria na palhaçada.

Não há choro sem risada. 

Não há verão sem trovoada. 


Não hã clareza nas coisas sãs.

Não leveza na mordida da maçã. 

Não há hipocrisia na loucura.

Não há praia que não se inunda. 


Não há farinha sem grão.

Não há certezas num não.

Não há inferioridade sem birra. 

Não há sangue sem ferida.


Não há poço sem fundo.

Não há limpeza no imundo.

Não há religião sem pecados. 

Não há navio sem ratos. 


Não há sofrimento que não se mereça. 

Não há correntes que não se queira.

Não há manipuladores sem manipulados. 

Não ha absolutismos nos atos errados. 


Não há estabilidade nas certezas.

Não há cercamento nas beiras. 

Não há certezas no que se diz. 

Não há controle na força motriz. 


Não há festa sem briga.

Não há verdade que não se diga.

Não há mentira que se apague.

Não há futuro que não se cabe. 


Não há presente que se planeje.

Não há passado que não se apedreje. 

Não há águas que não circulem.

Não há promessa que seja imune.  


Não há certezas sem dúvidas. 

Não há rio que não inunda. 

Não há choro sem lágrima.

Não há felicidade que não se espalha. 


Não há poeta sem amores.

Não há escritor sem dissabores. 

Não há escada sem degrau.

Não há bem sem o seu mal. 


Não há fofoca sem inveja. 

Não há compaixão numa guerra.

Não há círculo que não volte ao seu início.

Não há só loucos num hospício. 


Não há organização que não se escangalha.

Não há abstinência que não recaia. 

Não há fogo sem palha.  

Não há tudo sem nada.

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

O que passou passará



Esqueceria as dores do mundo 

Loucamente por nós imputadas

Moveria montanhas escarpadas

Outrora por nós encontrada.


Haveria um momento incerto 

Alcançado em sono profundo 

Falecemos sentimentos vividos

Vislumbrando honroso futuro.


E se um dia eu olhasse o teu muro

No teor das outroras passadas

Te verias no espelho aos prantos 

De faces dantes emprestadas. 


Se valesse a pena eu faria 

Uma joia do teu vão pensamento 

Atravessaria penhascos e montanhas

E te afagaria em total desalento 


E quando a mim tu olhares

E sorrires sem mesmo querer 

Meu mundo será teu por completo 

Mesmo que não venhas a mim merecer 


E no fim do teu grande começo 

Como posso eu te deixar ? 

Se de mim precisas aos tantos,

Como a lua precisa do mar. 


Desafio o tempo recalcitrante 

A fazer-me tentar te esquecer

Esvaeceria-se o tempo dele mesmo 

De esperar esse amor padecer


E no começo do modesto fim 

Já não importa o que se falou 

Nas passagens erradas da vida

Valerá só o que se guardou. 


Nos teus olhos castanhos noturnos

Eu me perco antes de me encontrar

Já não digo o que antes diria 

Para nos teus braços sempre eu estar. 


Maputo, 02 de Setembro 2021