domingo, 15 de outubro de 2023

(Im) perfeição



A natureza é tão inteligente que nos criou assim, tão imperfeitos. De noite juramos amor, de dia odiamos sujeitos. 

Porque a perfeição das coisas está exatamente naquilo que não se pode prever. Rimos no celular, enquanto choramos na Tv. 

Nós, humanos, as vezes não tão seres, sabemos que o divino está dentro de nós, nas suas duas versões, e na pluralidade de suas ações. 

As vezes sangue azul, as vezes marginalizado… as vezes um touro.. as vezes só um gato no telhado. 

Se acertamos, dizemos graças a Deus… se falhamos e erramos é produto do diabo. A culpa nunca é nossa, não me faça estardalhaço.

Essa coisa de livre arbítrio na verdade não funciona. Ou somos velho ranzinza ou uma criança risonha. 

Não há muito que se escolher, de baixo subo pra cima. De cima desço rolando, nas tuas costas dobro a esquina. 

Quando eu não me conheço, eu sou muito mais feliz. Mas quando eu me encontro, transbordo como um barril. 

E essa toda hipocrisia, vem decorada com flores. Se te vês com sinceridade, se prepare para os horrores. 

E quando a gente se tocar, não me jures fidelidade. Hoje tu sentes calores, amanhã a liberdade. 

E quem perfeito se achar, que se mude de cidade. Enquanto não se olhar no espelho, não verá a realidade. 

quarta-feira, 21 de junho de 2023

Poder de ser


Sou guerreira porque assim me sinto.

Me valorizo porque me devoto.

Minha força vem do saber,

de que sem mim eu nada posso.


O poder vem da lealdade,

de praticar o que concordo.

Cair, mas mesmo assim brilhar,

como a luz dum meteoro.


Sem passado não existe futuro,

Sem o presente não há nada.

Prefiro os venenos mais fortes,

do que viver como escrava.


Não quero nenhum centavo,

daquilo que não me pertence.

Mas o que é meu tá guardado,

Ninguém tira, nem no dente.


Se a mim quiseres amar,

faça pela sua conta e risco.

Meu coração é de ouro,

mas profundo como um abismo.


Nem os Deuses são perfeitos,

eu sou muito menos ainda.

Melhor seguir seu caminho,

do que despertar a minha ira.


Se não tens força nem coragem,

de tudo enfrentar e aguentar.

Melhor ter a certeza,

que ao meu lado não é o seu lugar.


Na minha filosofia,

não se oferece a outra face.

Aqui o que plantaste,

não colherás pela metade. 


Não olhe somente a aparência, 

olhe muito mais além.

O corpo um dia morre,

e a beleza também. 


domingo, 9 de abril de 2023

Sozinha não estou só

Não pertenço a lugar algum,

pertenço a todos ao mesmo tempo. 

Sou calmaria do rio,

e furacão dos quatro ventos.


Da justiça faço o meu nome,

não me meto em complô.

Do fogo vem minha força,

do ouro vem meu amor. 


Não quero comida pronta,

prefiro no mato caçar.

Na ponta da minha espada,

quem tá na frente vai ficar.


Não tenho espaço pra dúvida,

quem entra dentro está.

Ou anda reto na linha,

ou nos raios vai se queimar.


O rosto é de menina,

só choro em frente ao espelho.

Me banho na cachoeira,

não prove do meu tempero.


O cheiro é de lírios,

não preciso de perfume.

Na pedreira que me sento,

não há mal que se perdure.


Quem contar comigo,

seguro pode estar.

Eu honro minha palavra,

sozinho não vai ficar. 


Nas ondas que me abraçam,

limpa sei que vou tá.

Não pise na minha areia,

movediça pode estar.


Não gosto de falsidade,

na testa não me dê beijo.

Se quiser me agradar, 

me mostre para que veio. 


Nas noites de muita lua,

no cipó eu faço um nó.

Quem me guarda nunca dorme,

nem sozinha não estou só.


Samanta Lemos



sexta-feira, 17 de março de 2023

(des) GOS-TO


Gosto dos filmes velhos e das ideias novas.

Gosto do papo reto e de estradas tortas. 

Gosto do sorvete no frio e do café no calor. 

Gosto do sorriso, mas não do humor.


Gosto das almas velhas nas jovens iris.

Gosto de xícaras e não dos pires.

Gosto do escuro e da solidão. 

Gosto do sim, mas prefiro o então. 


Gosto das amizades sempre mais caladas.

Gosto daqueles que olham, mas não dizem nada. 

Gosto daqueles que mais fazem do que falam.

Gosto dos que navegam, não dos que nadam. 


Gosto daqueles que cumprem sem precisar prometer.

Gosto daqueles que despertam ao entardecer.

Gosto mais da chuva do que um dia de calor.

Gosto mais da apreciação do que o próprio sabor. 


Gosto das frases curtas em longas esperas.

Gosto de amores longos enquanto o fim se esmera.

Gosto da dificuldade das coisas fáceis.

Gosto do que é devagar nas coisas ágeis. 


As vezes gosto de quem não gosta de mim.

Prefiro amar do que fingir. 

Gosto de olhar a lua após o pôr do sol.

Gosto de pescar sem usar um anzol. 


Gosto dos começos que nunca tem fim. 

Gosto do vento a revirar um jardim.

Gosto de esperar o que se demora.

Gosto do relógio e não das suas horas. 


Gosto do gosto do olhar do perdão. 

Gosto de ver a jugular em pulsação. 

Gosto de assistir a face em rubor. 

Gosto de sorrir a quem me derrubar tentou.


Gosto de estar acompanhada mesmo estando sozinha.

Gosto de dirigir o carro com a vista em neblina. 

Gosto de ser empregado mesmo sendo patrão.

Gosto da literatura dentro do jargão.


Gosto dos jogos sem regra.

Gosto do desgosto que era.

Gosto do choro á capela.

Gosto do acerto que erra.


Gosto mais da inteligência do que da beleza.

Gosto da lua que os choros clareia.

Gosto do muro, mas não do portão.

Gosto mais do raio do que do trovão.


Gosto mais das cobras do que dos cães.

Prefiro a sinceridade do inimigo do que a inveja do fã.

Gosto da conversa do silêncio da noite.

Mas prefiro o calor do sol no açoite.


Gosto de macho, mas não do machismo.

Prefiro o cobarde do que o falso heroísmo.

Gosto da paz que o dinheiro pode comprar.

Gosto do amor que só o ódio pode dar. 


Gosto de saber que no tudo não há nada.

Gosto de encarar quem não me encara. 

Gosto de compreender e menos julgar.

Pois quem muito julga, julgado logo estará.

S.L

13/03/2023


domingo, 24 de julho de 2022

Somos todos rebeldes?


 Dizem que sou rebelde…

È verdade, sempre fui. 

Mas ser rebelde não é fácil. Significa assumir as suas próprias consequências, inclusive as suas próprias contas e as suas próprias dores. 

Ser rebelde é assumir as suas falhas, sem culpar ninguém nem se vitimizar. Se eu falhar, sim, falhei. Assumo! E dai? 

Ser rebelde não é fácil. As vezes você está sozinha e precisa tirar forças de si mesma para construir-se  ou reconstruir-se. 

Rebeldia é pra quem aguenta, não pra quem quer. 

Ser rebelde é fazer as coisas por obstinação não pelo dinheiro. 

Rebeldia não é gritar, esbravejar. A verdadeira rebeldia é olhar para aquele que grita e esperar o tempo costurar-lhe a boca. Afinal, lutar e brigar, são coisas completamente diferentes. Eu luto. Deixo a briga para os não-rebeldes. 

Rebeldia é sair no mundo a fora e não ter medo de nada, levar tapa na cara e sorrir para quem lhe bateu. Enfrentar tudo. As vezes estar no escuro, as vezes estar na areia movediça, mas sempre, sempre reerguer-se. 

Ser rebelde é ter uma força que vem de dentro pra fora e buscar mudanças eternamente. 

Ser rebelde é cuidar de todo mundo, mas não ser cuidado por ninguém. 

Ser rebelde é fazer tudo o mais bem feito possível, sem esperar por aplausos.

Ser rebelde é estudar e planejar enquanto os outros se divertem ou dormem.

Ser rebelde é buscar o sucesso e ver oportunidade em cada dificuldade. 

Ser rebelde é andar pela lama, e dançar, enquanto escorrega. 

Rebeldia é amar com riscos. É amar coisas e pessoas difíceis. Ser rebelde é procurar problemas pra resolver. Coisas fáceis não me chamam a atenção. 

Ser rebelde é ver uma injustiça e não conseguir não interferir. O rebelde pode morrer por uma causa justa! 

Os rebeldes amam, mas não se apegam. Sabemos que ninguém é propriedade de ninguém. Você nasceu sozinho e partirá sozinho. No meio desse caminho estamos com quem nos faz bem. Se fizer mal, porta da rua é a serventia do meu coração. 

Eu deixo a paz para os conformados. Eu prefiro estar na guerra. As vezes luto comigo mesma… Mas lutar de forma mais honesta possível. 

Ser rebelde é as vezes tomar um café com o inimigo, e sorrir, afinal, não há nada que um sorriso não resolva. 

Sim, sou rebelde, ainda bem…

                                           

terça-feira, 15 de março de 2022

A finidade do amor


Amor tem que ser livre, porque se não é livre, será apenas uma dúvida.

O amor de verdade está porque quer, não porque é obrigado.

O amor de verdade acompanha, não arrasta. 

O amor de verdade liberta, não acorrenta.


O amor verdadeiro é ponte e não abismo. 

O amor de verdade é um campo aberto e não um labirinto. 


O amor de verdade é como o pássaro que voa alto e sempre volta para o mesmo ninho. 


O amor não busca, ele encontra sem procurar.


O amor não espera, porque ele sempre está presente. 

Amor é liberdade, porque do contrário será sempre uma dúvida.


Amar não é somar-se a outro e sim dividir a sua existência com outro. 


Amar não é amarrar, porque quem amarra enforca a si mesmo. 


Amor não é infinito.


Um amor verdadeiro também pode acabar. E isso não significa que não foi amor. 


Amor também pode ter o seu tempo, a sua missão.

 

Amor não significa eternidade, significa realidade. 


E as realidades, as vezes mudam. E como mudam…


Então se você tem um amor, cuide dele. Aproveite-o. Viva-o. Curta-o. Não como se fosse o último dia, e sim como se fosse o primeiro. 

sábado, 11 de setembro de 2021

Não há tudo sem nada





Não há gosto em comidas não saborosas.

Não há frio em mãos calorosas.

Não há beijo sem saliva

Não há muros sem divisas. 


Não há abraço sem toque.

Não hão ódio sem rebote.

Não há amor sem dor.

Não há paixão sem tremor.


Não há vida sem morte.

Não há dor que não se suporte.

Não há feiúra na graça.

Não há sentimento que não se desfaça. 


Não há prostituta sem clientes. 

Não há prazer que se aguente.

Não há moralidade na noite.

Não há solidão que não se açore.


Não há fome que se esconde.

Não há vulgaridade nos montes. 

Não há gato que não pule a cerca.

Não há traição que não transpareça. 


Não há trauma que não se acorrente.

Não há dor que não se arrepende.

Não há fim que não tenha um começo.

Não há sono sem pesadelo.


Não há vida sem sangramento.

Não há solidão sem momentos. 

Não há amizade sem falsidade. 

Não há paz na cidade. 


Não há guerreiro sem guerra. 

Não há perfeição que não erra.

Não há ódio sem amor. 

Não há frio sem calor. 


Não há desejo sem ter o que se invejar. 

Não há fundo para quem não tem mar.

Não há insatisfação sem um espelho frontal. 

Não há melhoras sem antes passar mal. 


Não há eternidades em acordos.

Não há mentiras em rumores.

Não há conforto em cama alheia. 

Não há doce na mordida duma abelha.


Não há caminhos em almas perdidas.

Não há caminhos em ilhas. 

Não há pensamento sem desejo prévio.

Não há improdutividade no tédio. 


Não há descanso na caminhada.

Não há alegria na palhaçada.

Não há choro sem risada. 

Não há verão sem trovoada. 


Não hã clareza nas coisas sãs.

Não leveza na mordida da maçã. 

Não há hipocrisia na loucura.

Não há praia que não se inunda. 


Não há farinha sem grão.

Não há certezas num não.

Não há inferioridade sem birra. 

Não há sangue sem ferida.


Não há poço sem fundo.

Não há limpeza no imundo.

Não há religião sem pecados. 

Não há navio sem ratos. 


Não há sofrimento que não se mereça. 

Não há correntes que não se queira.

Não há manipuladores sem manipulados. 

Não ha absolutismos nos atos errados. 


Não há estabilidade nas certezas.

Não há cercamento nas beiras. 

Não há certezas no que se diz. 

Não há controle na força motriz. 


Não há festa sem briga.

Não há verdade que não se diga.

Não há mentira que se apague.

Não há futuro que não se cabe. 


Não há presente que se planeje.

Não há passado que não se apedreje. 

Não há águas que não circulem.

Não há promessa que seja imune.  


Não há certezas sem dúvidas. 

Não há rio que não inunda. 

Não há choro sem lágrima.

Não há felicidade que não se espalha. 


Não há poeta sem amores.

Não há escritor sem dissabores. 

Não há escada sem degrau.

Não há bem sem o seu mal. 


Não há fofoca sem inveja. 

Não há compaixão numa guerra.

Não há círculo que não volte ao seu início.

Não há só loucos num hospício. 


Não há organização que não se escangalha.

Não há abstinência que não recaia. 

Não há fogo sem palha.  

Não há tudo sem nada.

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

O que passou passará



Esqueceria as dores do mundo 

Loucamente por nós imputadas

Moveria montanhas escarpadas

Outrora por nós encontrada.


Haveria um momento incerto 

Alcançado em sono profundo 

Falecemos sentimentos vividos

Vislumbrando honroso futuro.


E se um dia eu olhasse o teu muro

No teor das outroras passadas

Te verias no espelho aos prantos 

De faces dantes emprestadas. 


Se valesse a pena eu faria 

Uma joia do teu vão pensamento 

Atravessaria penhascos e montanhas

E te afagaria em total desalento 


E quando a mim tu olhares

E sorrires sem mesmo querer 

Meu mundo será teu por completo 

Mesmo que não venhas a mim merecer 


E no fim do teu grande começo 

Como posso eu te deixar ? 

Se de mim precisas aos tantos,

Como a lua precisa do mar. 


Desafio o tempo recalcitrante 

A fazer-me tentar te esquecer

Esvaeceria-se o tempo dele mesmo 

De esperar esse amor padecer


E no começo do modesto fim 

Já não importa o que se falou 

Nas passagens erradas da vida

Valerá só o que se guardou. 


Nos teus olhos castanhos noturnos

Eu me perco antes de me encontrar

Já não digo o que antes diria 

Para nos teus braços sempre eu estar. 


Maputo, 02 de Setembro 2021

sábado, 28 de agosto de 2021

Seremos todos julgados?

Tenho amor pela vida. Não vivo por viver. 

Vivo por amar a mim, assim como o sol o entardecer. 

Nascemos para morrer. Por que tanta frustação? 

Basta dizer-se mais sim, do que viver dizendo não.

No meu enterro não quero choro, nem caixão com floreiras. 

Eu só quero que toquem música e me enterrem ao pé de uma mangueira.

Viva enquanto puder, mas na sombra das suas vontades. 

Não se importe com o que os outros digam. Não viva pela metade. 

Entenda que nesse mundo, viemos e iremos sozinhos. 

A vida é só uma passagem. Não se perca no caminho.

Daqui não levamos nada, não adianta acumular. 

O que nos torna humanos é a ação de ajudar. 

Pois no fim de tudo, estamos todos conectados. 

A fome do outro, um dia cai no seu telhado. 

O orgulho, inveja e ciúme é coisa de gente pequena.

Se não expressar sua bondade, sua alma só se apequena. 

E depois da morte, será só você e Deus. 

Não interessa se foi cristão, muçulmano ou judeu.

Você será julgado, não pelas horas que orou. 

E sim pelo bem ou mal que praticou.

Não esqueça que o amor, quase tudo justifica. 

Caberá somente a Aláh, julgar o que te apetecia. 

Assim, viva, viva e viva. Não se importe com rumores. 

Não se remoe, não se amargure. Perdoe a si e aos outros. 


Samanta Lemos 

05/02/21

terça-feira, 17 de agosto de 2021

Blue bird


Eu sou esse pássaro azul que você trancou nas suas entranhas e não deixa ninguém ver. 

Eu sou esse pássaro azul, que você mantém dentro de grandes, atrás dos músculos rígidos do seu peito.

Eu sou esse pássaro azul que você afoga com whisky barato enquanto você sorri e acende o carvão para o churrasco.

Eu sou esse pássaro azul, que na verdade é vermelho, de tanto estar sufocado e preso, enquanto você conduz o seu carro e finge que está bem.

Eu sou esse pássaro azul que enxuga as suas lágrimas mesmo antes delas caírem. Afinal você é homem, e os homens não choram. Não é mesmo? 

Eu sou esse pássaro azul, que você mantém refém do seu orgulho e dos seus medos. 

Eu sou esse pássaro azul que bagunça a sua vida, e ao mesmo tempo dá vida a sua bagunça.

Eu sou esse pássaro azul que as vezes foge à noite, enquanto você assiste o noticiário. Aí você deixa ele sobrevoar em todos os cantos da sua sala. 

Eu sou esse pássaro azul que poderia estragar os seus trabalhos, que poderia mudar os seus planos, em troca de uma vida inteira de amor. Mas você, ainda prefere a dor.

Eu sou esse pássaro azul que vive dentro do seu peito, mas assombra a sua mente, enquanto você finge que é feliz, mas só mentes. 

Eu sou esse pássaro azul que as vezes você fecha os olhos e sente ele oxigenar o seu coração, mesmo que você não queira.

Eu sou esse pássaro azul que também sofre por estar dentro de uma gaiola, mesmo sabendo que a gaiola está dentro de você. 

Eu sou esse pássaro azul que as vezes fica negro, quando você foge e tenta fingir que ele não existe. 

Eu sou esse pássaro azul que a noite olha a lua através da janela da gaiola e sente que esse pacto é mais covarde do que pode aparecer. 

Eu sou esse pássaro azul que conhece você por dentro, e sabe que você também é um passarinho preso.  

O que você pode fazer com esse pássaro azul? Por que você não abre a janela e deixa ele livre? Ou por que você não voa junto com ele?

Até quando você esconderá as suas asas? 

O teu peito é o meu ninho. 

Samanta Lemos

(Uma homenagem a Charles Bukowski)



terça-feira, 10 de agosto de 2021

Se eu morresse amanhã


Se eu morresse amanhã, eu me transformaria no vento só para bater fortemente nas suas janelas. 
Se eu morresse amanhã, eu seria a chuva, só para regar o seu jardim.

Se eu morresse amanhã, eu seria o sol, que te aquece sem te tocar.

Se eu morresse amanhã, eu seria a terra, só para semear a comida que te alimenta.

Se eu morresse amanhã, eu seria a nuvem que faz sombra sobre o seu corpo.

Se eu morresse amanhã, esqueceria todos os ontens que outrora não estiveras. 

Se eu morresse amanhã, despir-me-ia de todo o meu orgulho só para chorar do nascer ao pôr do sol. 

Se eu morresse amanhã, eu seria um mosquito, só para beber uma gota do seu agridoce sangue. 

Se eu morresse amanhã, eu seria o fogo, só para acender o seu cigarro. 

Se eu morresse amanhã, eu seria o couro que reveste o seu sofá, só pra te aconchegar enquanto você assiste televisão.

Se eu morresse amanhã, eu seria uma lágrima, só para escorrer pelo seu rosto.

Se eu morresse amanhã, eu seria um relógio, só pra você me olhar a cada hora.

Se eu morresse amanhã, eu seria água que mata a sua sede.

Se eu morresse amanhã, esperaria você na estratosfera.

Se eu morresse amanhã, seria a mais triste de todas as canções outrora já cantadas. 

Se eu morresse amanhã, eu seria uma rosa, só para te espetares nos meus espinhos enquanto aprecias o meu aroma. 

Se eu morresse amanhã, eu seria a lua que silenciosamente ilumina o seu quintal. 

Se eu morresse amanhã, eu seria o ar que você respira. 

Se eu morresse amanhã, sucumbiria a todas as falácias do mundo só para inexistir diante da sua despresença. 

Se eu morresse amanhã, já não faria diferença nenhuma. Pois eu já morri no exato momento em que te perdi.  

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

O que somos?


Somos a soma de todos as nossas dores e amores. 

Somos o reflexo de tudo o que vivemos e não tivemos. 

Somos as cores do neutro, a sombra do dia e a luz da escuridão. 

Somos os sons de todos os tambores e o agridoce dos nossos dissabores. 

Somos o que o sol cega e o que o luar ilumina. 

Somos o gelo que queima, depois do que o fogo incendeia. 

Somos as decências das dúvidas e a tempestividade das certezas. 

Somos a dignidade da ignorância e a arrogância da inteligência. 

Somos aquilo que pensamos ser, não aquilo que sonhamos. 

Somos a subida quando o medo desce. 

Somos amor quando o orgulho padece. 

Somos a eternidade, quando o fim nos ronda. 

Somos loucura quando o desejo estronda.

Somos pura capacidade nos impuros desafios. 

Somos crianças quando pensamos estar velhos. 

E somos velhos quando descobrimos que, em verdade, nunca deixamos de sermos crianças. 

Somos loucos quando não acreditamos na loucura. 

E somos sãos, quando descobrimos que somos loucos. 

Somos esfomeados quando não temos comida.  

E as vezes somos a comida das mentes esfomeadas. 

Somos inimigos no ápice das amizades.

Somos amigos quando conhecemos o nosso inimigo. 

Somos coerentes somente na incoerência.

Somos incoerentes nas certezas absolutas.

Somos guerreiros quando o orgulho é ferido. 

Somos feridos quando ganhamos sem nenhum batalha.

Somos tudo no meio do nada.

Somos nada quando temos de tudo. 

Somos as folhas que o vento leva. 

Mas as vezes, somos exatamente o vento que derruba as folhas. 

Mas eu prefiro ser o vento que derruba as sementes. 


Samanta Lemos

04/07/2021

domingo, 14 de junho de 2020

Somos todos livres ?



A liberdade ofende, como dizia Lispector. A liberdade incomoda muito mais que a riqueza ou a beleza, porque a liberdade é a plenitude.
 A liberdade é o não-bem mais precioso, que muitas vezes sequer chega a existir em algumas pobre ricas vidas. 
A liberdade é tão cara, mas tão cara que não se pode comprá-la. A liberdade locomotiva depende da justiça, enquanto a liberdade psíquica depende do seu bem-estar espiritual. 
E quem aqui está bem consigo mesmo? 
A liberdade dói aos olhos de quem não a possui. A Liberdade de ser o que você quiser. Liberdade de estar com quem quiser. Liberdade de estar onde você quiser... de fazer ou não fazer o que quer. 
Invejem-me em tudo, menos a liberdade, pois sinceramente, não a possuo. 
Ainda dependo dos sonhos e das noites para alcançá-la, mesmo que efemeramente. Ainda preciso furtá-la em curtos cheiros, curtos pelos e curtos toques. Tenho-a apenas em rápidos e secretos sabores e desabores. 
Eu ainda busco a liberdade, tentando pertencer a mim mesma. Sim, esse é o primeiro passo. 
A liberdade excita-me, assim como esporádicos toques úmidos de glândulas sub-linguais, por trás de luzes trêmulas, de cortinas caras ao anteceder do pôr do sol. 
Mas, talvez a liberdade seja apenas uma ilusão, assim como o amor. Talvez buscamos a liberdade de maneira errônea.
Ou talvez a liberdade e a felicidade sejam exatamente a mesma coisa inatingível em nossas miseráveis vidas. 
Ou talvez ela seja apenas um suspiro, assim como o orgasmo. Ou talvez, ela sequer exista! E eu esteja aqui apenas a filosofar sobre algo que, na verdade nunca poderemos ter. Seria ela uma mera utopia? 
Estamos presos a nós mesmo. E isso já nos basta para nos sentirmos amarrados? Estar sozinho te faz um lixo ou um luxo? Te satisfaz ou te aterroriza? 
Será que somos de todo livres ou de todo presos? Presos a relacionamento expirados, a trabalhos indesejados, a obrigações que não gostamos, mas que nós mesmo criamos... 
Talvez a única coisa realmente livre seja o vento. Pois nós, seres(que pensam ser)humanos, estamos sempre presos a algo ou alguém, muitas vezes por egoísmos ou soberba; por ilusão ou por necessidade. 
Ou o mais provável: liberdade advém com a morte. Aí sim, tudo faz mais sentido. Pois a morte é o sentido e o objetivo de tudo. 
Sejamos livre, na medida do que nos permitimos. 

Samanta Lemos
14/06/2020

terça-feira, 9 de abril de 2019

Apenas as estrelas sabem

São 03:00 da manhã. 
Eu estou aqui no escuro.
E a solidão é tudo o que eu preciso.
O quarto está fechado,
mas as paredes não são capazes de me segurar. 

Todos dormem. 
E eu aqui proliferando pensamentos que não deveria. 
A tua existência assombra-me. 
E quando durmo, meus sonhos me atormentam.
E ao te renegar, acorrento-me cada vez mais.

Nesse momento eu não sou ninguém e nem poderia exigir ser.
Meu coração acelera sem autorização e sem respeito.
Penso apenas no que não tenho direito.
Penso em você a cada instante. 
Minha ética me desafia e isso não é o bastante. 

Será que você também está sentindo? 
Eu estou assustada. Perdida como uma jovem parva.
No silêncio, eu tenho medo de mim mesma.
Tenho medo de ter o que eu desejo. 
Te querer é o meu segredo.

Apenas as estrelas sabem. 
Você é a pessoa certa no momento errado.
Não entre no meu mundo. 
Pois se o fizeres, não conseguirás mais sair.
Quem poderá nos julgar? 
Por que continuamos a nos enganar? 

Apenas as estrelas sabem.
E nós sabemos que tudo isso é errado. 
Mas ninguém nos entenderia. 
E eu continuarei a te querer, assim como a lua o mar.
Te desejando sem poder te tocar. 





segunda-feira, 8 de abril de 2019

Quando o cabelo é o que menos importa

Eu não sou o que nasci,
sou o que senti.
Me transformo no que quero,
Sou o que vivi. 

Eu não tenho só uma pele,
nem uma só cor.
Sou aquilo que espero, 
sou aquilo que dou. 

Tenho a suavidade da sombra
e o mistério da noite.
Tenho o calor do sol
e a liberdade das ondas.

Minha alma não tem cor, 
Mas o meu corpo tem sabor. 
O que importa não é o cabelo
e sim o gosto do beijo. 

Samanta Lemos

terça-feira, 26 de março de 2019

Ser Mulher

Mulher é poder.
Basta se exercer.
Temos os homens no ventre,
e a força no querer.

Mulher basta por si mesma.
Não precisa de ninguém.
Com a voz promove uma guerra.
E com o olhar faz a paz reestabelecer.

Mulher é varias numa só.
Uma multidão em um só peito.
Dorme se achando rainha.
Acorda zangada com o espelho.

Mulher não deve satisfação.
Ama como e quando quiser.
Se amor se transforma em dor.
Tira o salto e dá um ponta pé.

Mulher é mãe, pai e o que precisar.
A tudo pode suportar.
Trabalha, lava, cozinha, troca fraldas.
É a rainha do lar.

Mulher não tem muito segredo.
Só precisa de tempero.
Ser o que achar que é.
A mulher não está no mundo.
O mundo está na mulher.

Feliz dia Internacional da mulher.

Samanta Lemos

sábado, 16 de abril de 2016

Se quiser me encontrar não me procure


Eu não sou ferro para andar sempre nos trilhos.
Não sou carretel para sempre estar na linha.
Não sou pássaro para sempre estar nas nuvens.
Se quiser me encontrar, não me procure...

Não sou rocha para sempre estar dura.
Não sou gelatina para sempre estar mole.
Não sou fogo pois nem sempre aqueço.
Se quiser me encontrar, não me procure...

Não sou alguém para ser intitulada.
Nem sou ninguém para ser esquecida.
Não marque hora, pois eu não tenho relógio.
Se quiser me encontrar, não me procure...

Por isso não procure-me no sol, pois eu nem sempre brilho.
Não vasculhe a lua pois eu nem sempre durmo.
Encontro-me nos meus diversos.
Se quiser me encontrar, não me procure...

Sou como a água: dependendo do estado posso cair como chuva, congelar-me como gelo ou desaparecer em estado gasoso.

E assim me manterei em mim, pois eu nunca serei, apenas estarei.
Se quiser me encontrar, nao me procure, nao me chame, não seja.
Apenas esteja ao meu lado, me segure e me transforme.


 
 

domingo, 3 de abril de 2016

Somos todos invejosos ?


Dentre os sete pecados capitais (gula, avareza, luxúria, ira, inveja, preguiça e soberba) plasmados pela doutrina católica e difundidos na cultura mundial, por que seria a “inveja” o único dentre esses "pecados" o qual não temos o prazer em admitir? Postamos fotos em redes sociais demonstrando nossa gula em jantares e eventos sociais ou a luxúria em nossas vestimentas e demais bens materiais; a avareza, ao não ajudar o próximo; a ira e a soberba em nossas relações interpessoais quando odiamos o que nos é diferente e na maioria das vezes não dando o braço a torcer naquela discussão com o amigo, sempre com o sentimento de que possuimos a razão, doa a quem doer; ou a preguiça, praticada como algo normal e legitimável. Mas, e a inveja, quando publicizamos?

"A inveja é tão vil e vergonhosa que ninguém se atreve a confessá-la" (Ramon Cajal)

Tom Jobim afimou certa vez que: “fazer sucesso no Brasil é ofensa pessoal”. Seria essa afirmação apenas um delírio poético ou uma realidade? De fato “seríamos todos invejosos?”. O historiador e escritor Leandro Karnal afirma que sim. Mas o que nos faz não admitirmos uma coisa que somos, ou melhor, que sentimos? Por que, tal como a preguiça, ao afirmar que “estou com uma preguiça hoje...”, nunca falamos “estou com uma inveja...”? Será que além de invejosos somos também todos hipocritas?
Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio... (Mario Quintana)
Será que assim como o “pecado original” também nascemos com a “inveja original”? Talvez prudente seria admitir que, a inveja, além de um sentimento incontrolável (dai o seu caracter de vício) seria nada mais nada menos que o auto-reconhecimento do próprio fracasso, um atestado de incompetência.
"A inveja é a amargura que se sofre pela felicidade alheia" (Cícero)

Na maioria das vezes a antipatia por alguém ou a célebre frase “eu não vou com a cara dessa pessoa” refere-se ao invejar o outro, possuindo o desejo e ao mesmo tempo o “sentimento de incapacidade de não ser ou não ter aquilo que o outro é ou tem". Observem que não falamos apenas do possuir. Já vi  pessoas terem inveja do sorriso da outra... da maneira de andar, de falar... enfim, da maneira de ser do outro. E acreditem, muitas vezes inconscientemente.
A inveja é uma admiração que se dissimula (Soren Kierkegaard)

O invejoso acaba por julgar, reprovar ou falar mal daquilo que ele mesmo não compreende, exatamente por não ter. Recentemente uma pessoa me disse que uma outra falava mal de mim e não suportava-me pela maneira que eu escrevia. Ora, vejamos, no fundo essa pessoa nutria um despeito, não exatamente porque eu escreva bem, mas exatamente porque ela escreve mal. Afinal, o sentimento dessa pessoa não era contra mim e sim contra ela mesma. Interessante.

"A inveja consome o invejoso, como a ferrugem o ferro" (Antístenes)

Obviamente, além de a inveja ser o único “pecado capital” não admissível, ela na maioria esmagadora das vezes também não é reconhecida pela própria pessoa detentora da inveja, o que, logicamente não acontece com a pessoa que é invejada, que normalmente percebe ser alvo de inveja. Pela lógica, até faz sentido a pessoa não admitir que tem inveja, pois na maioria das vezes ela nem sequer percebe que tem. E fica difícil admitir uma coisa que você não sabe que tem. Será que além de sermos todos invejosos também somos todos cegos? Muitas vezes parece que sim.

"Quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar" (Friedrich Nietzsche)
Mas, de acordo com Karnal, existe uma notável diferença entre inveja e cobiça. Esta última seria de cunho superficial e não nocivo. Por exemplo, eu desejo o carro do vizinho, vou e compro um igual. Ou seja, cobiça é a capacidade de desejar o que não lhe pertence e possuir algo igual ou semelhante ao do outro, não exatamente o que é do outro.


Cobiça ou inveja ?


Diferentemente da inveja, esta sempre tem uma conotação negativa e a possibilidade de consequências nefastas, tanto para o invejoso, quanto para o invejado. Ao contrario da cobiça, a inveja dificilmente é sanada, já que está relacionada a um sentimento intrínseco de impotência. Observe que ele não quer algo igual ao do outro, ele quer o que é do outro, o que evidentemente não será possível sem tomar a força (ou mediante manipulação) aquilo que, legitimamente não lhe pertence. Ou pior, quando a inveja é atinente ao “ser” e não ao “ter”, a única maneira de erradicá-la é através da destruição do objeto de inveja. E como diz o velho ditado popular “se inveja matasse...”. Mas acredite, ela pode matar mesmo.
"É tão natural destruir o que não se pode possuir, negar o que não se compreende, insultar o que se inveja" (Honoré de Balzac)
Outro dia eu conversava com uma funcionária recém contratada, procurei saber um pouco sobre sua vida, perguntando-lhe se era casada, ela então respondeu que era viúva. Mas, observando sua juventude, indaguei sobre o que tinha acontecido, e ela conformadamente respondeu: “Meu marido morreu de inveja”. Como assim de inveja, questionei. Ela então disse: “Sim senhora, ele foi envenenado no trabalho, com uma xícara de café. Ele tinha sido recentemente promovido a chefe dos motoristas, mas isso não agradou aos colegas... nunca se descobriu quem foi, eram 12, ficou por assim mesmo”. Apenas pensei, realmente, a inveja pode se tornar um sentimento tão perigoso que não é a toa que, no direito criminal, em casos de homicídio, muitas vezes configura-se como agravante o “motivo torpe”.
 "O grau de inveja alheia determina o quanto somos bem-sucedidos" (David Saleeby)
Há muito tempo lembro-me que lia algures um texto sobre psicanálise e deparei-me com a triste estatística de que, mais de 50% das pessoas que sofrem de dores crônicas, esta relacionada a sintomas psicossomáticos oriundos de processos de estresse e ansiedade ligados a sentimentos de frustação, impotência, auto-julgamentos, o que logo me fez chegar a seguinte conclusão: afinal, a inveja não apenas mata, como pode torturar aos poucos... como um veneno, destilado gota a gota no âmago da própria serpente.
"Inveja é a falta de fé em sí mesmo" (Ditado árabe)
A conclusão é que, a inveja em seu estado ultrajante pode ser responsável tanto por doenças físicas e mentais, quanto pela formação de psicopatas e até mesmo criminosos. Mas calma, não se preocupe, embora “sejamos todos invejosos”, não seremos automaticamente “todos perigosos”. O processo de auto-conhecimento é fundamental para que possamos lhe dar com a inveja nossa de cada dia. Analisar-se, refletir e conhecer-se é imprescindível para que possamos superar essa lado negativo de viver. Afinal, acima de tudo “somos todos humanos”.